Procedimento foi realizado no Hospital Universitário após MPF emitir recomendação; inicialmente, unidade de saúde havia negado o aborto por conta da idade gestacional da menina
A criança de 11 anos que ficou grávida após um estupro realizou o aborto na noite desta quarta-feira (22), em Florianópolis. A informação foi confirmada pelo MPF (Ministério Público Federal).
O órgão havia expedido no mesmo dia uma recomendação ao Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), para garantir o aborto em casos semelhantes ao da criança estuprada no Estado.
O hospital tinha até o meio-dia desta quinta-feira (23) para responder ao MPF. O órgão federal informou nesta tarde que o HU acatou parcialmente a recomendação.
Segundo MPF, “o hospital comunicou à Procuradoria da República, no prazo estabelecido, que foi procurado pela paciente e sua representante legal e adotou as providências para a interrupção da gestação da menor”.
Ainda não há informações sobre o estado de saúde da menina. Ela estava com 29 semanas de gestação. O MPF detalhou que o hospital acatou a recomendação somente para o caso em particular.
Em relação aos demais termos da recomendação, o HU informou ao MPF que serão avaliadas quais providências serão adotadas pela Procuradora da República.
Inicialmente, o hospital havia se recusado a realizar o aborto na menina, que foi encaminhada à unidade com 22 semanas de gestação. A equipe médica alegou que o procedimento só é feito sem consentimento judicial até a 20ª semana.
Em nota, o HU-UFSC disse que não repassa informações sobre procedimentos realizados no hospital, em respeito ao sigilo das informações e à privacidade do paciente. Acrescentou ainda que manifestações, no momento, não são possíveis porque o caso da criança que engravidou corre em segredo de justiça.
Alesc emite nota
A Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina) emitiu nota sobre o caso da criança que ficou grávida. A Assembleia reforçou que a realização do aborto, nas hipóteses legais, não depende de autorização judicial.
“No caso, a gestação não apenas é decorrente de violência sexual, mas envolve risco à vida da gestante, que é uma criança com 11 anos recém completados. Ao chegar na unidade de saúde, portanto, a menina sofreu uma nova violência – a imposição de obstáculo que não encontra respaldo legal. Recorrendo ao Judiciário, a criança e sua mãe tiveram, uma vez mais, seus direitos violados”, diz o texto.
A instituição considerou a audiência pela qual a criança foi submetida na comarca de Tijucas “absolutamente violenta, na qual foi convencida, por representantes do sistema de justiça que deveriam protegê-la, a manter a gestação e entregar a criança para adoção”.
E continua:” ao recorrer ao sistema de saúde e ao sistema de justiça para ver resguardados os seus direitos, uma menina sofreu ainda mais violência. Foi revitimizada pelos que deveriam protegê-la”.
De acordo com a Alesc, situações como essa continuam acontecendo com meninas e mulheres não apenas em Santa Catarina, mas pelo Brasil afora.
Por fim, diz que repudia “toda e qualquer ação que represente violência institucional contra as mulheres e meninas catarinenses” e pede urgência na apuração dos fatos para que casos como esse não voltem a acontecer.
Relembre o caso
O caso da menina veio à tona após publicação de reportagem pelo Portal Catarinas em parceria com o Intercept Brasil, nessa segunda-feira (20).
A criança, então com dez anos, descobriu a gravidez na 22ª semana de gestação. Ela foi levada pela mãe ao Hospital Universitário para realizar o aborto legal.
A equipe médica, porém, se recusou a realizar o aborto, pois o procedimento só é feito na unidade sem consentimento judicial até a 20ª semana de gestação.
A promotora Mirela Dutra Alberton, lotada na 2ª Promotoria de Justiça do município de Tijucas, ajuizou uma ação cautelar pedindo o acolhimento institucional da menina, onde deveria “permanecer até verificar-se que não se encontra mais em situação de risco [de violência sexual] e possa retornar para a família natural”.
A juíza Joana Ribeiro Zimmer concedeu a medida protetiva e comparou a proteção da saúde da menina à proteção do feto. Em audiência realizada no dia 9 de maio, tanto a promotora quanto a juíza tentaram induzir a menina a manter a gravidez, segundo vídeo obtido com exclusividade pela reportagem do Portal Catarinas. “Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, questiona a magistrada.
A criança foi encaminhada a um abrigo, onde ficou por mais de um mês, até a Justiça de Santa Catarina determinar que ela poderia deixar o local e voltar a ficar com a mãe, o que aconteceu no final da tarde de terça-feira (21).
Zimmer deixou o caso após ser promovida para a Comarca de Brusque, no Vale do Itajaí.
A Corregedoria-Geral do TJSC (Tribunal de Justiça de Santa Catarina) investiga o caso. A Corregedoria-Geral do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) também instaurou um procedimento para apurar a conduta da promotora Mirela Dutra Alberton.
A investigação da Polícia Civil de Santa Catarina apontou que o suspeito de estuprar a menina foi um parente menor de idade, adolescente.
(NDMais)