Ex-PM foi premiado nacionalmente por criar ações de combate ao assédio sexual e moral contra policiais mulheres na corporação e está sendo investigado por assediar alunas em faculdade da cidade
“É constrangedor falar disso. Ele tentou me agarrar e me dar um beijo no final da aula. Durante a aula só me usava como exemplo e falava na frente de todo mundo: ‘não fica me olhando se não eu me apaixono’. Ele é uma pessoa totalmente manipuladora. Te elogia e, quando não faz o que ele quer, te coloca pra baixo. E o fato de ele ser policial gera medo em todas nós”. O relato é deAmanda*, aluna do curso de Direito da ACE (Associação Catarinense de Ensino) de Joinville, no Norte de Santa Catarina.
“Ele” é Elisandro Lotin, ex-PM e professor na instituição. Ele chegou a ser alvo de mandado de busca e apreensão no dia 28 de julho, em investigação da Dpcami (Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso), e é suspeito de violência psicológica contra a mulher, ameaça, perseguição, importunação sexual e assédio sexual contra alunas.
Amanda* conta que a situação de assédio começou em 2020, nas aulas online devido à pandemia. Antes disso, ela sequer conhecia o professor. “Começou com mensagens, troca de WhatsApp e ele até entrava no assunto pelo contexto da faculdade, mas aí ele começava a levar para outro lado. Quando as aulas voltaram ao presencial, ele chegava a ir ao meu trabalho levar livros até com dedicatória”, fala.
O caso de Amanda* é apenas um entre tantos outros. Ela foi uma das alunas que foi até a delegacia e denunciou o caso, mas há outras que não tiveram coragem de expor o caso na polícia. “Tem umas 30 alunas que já passaram por isso, mas não sei exatamente quantas denunciaram. Quando eu fui na delegacia tinha outras oito meninas, até me assustei”, lembra.
O caso veio à tona após uma professora reunir os relatos e encaminhar o caso diretamente ao Ministério Público. Tudo começou após relatos de ameaça de uma aluna que teve um caso com o professor e estava sendo perseguida após o término, conta a professora, que não quer ser identificada.
“Ela me contou que tentava romper e ele a perseguia, que ficava horas no portão da casa dela. Foram quase dois anos de relacionamento e falei que não era assédio, mas um crime de violência doméstica, ameaça e tudo mais. Quando eu disse isso, ela falou: mas os outros casos são de assédio. E contou que tinha várias meninas da faculdade assediadas por ele”, conta.
Para reunir os casos, a professora começou a fazer entrevistas sobre o tema de assédio no ambiente universitário, como atividade para o próprio mestrado. Ao divulgar que ouviria os casos de maneira anônima, se surpreendeu com a quantidade de estudantes que a procuraram.
“Em três dias, eu fiz 12 entrevistas, todas gravadas, transcritas e em todas elas era ele o assediador, com o mesmo modus operandi. Ele começava pela rede social com o argumento de distribuir materiais, começava a seguir as meninas, curtia fotos, chamava no privado, ligava pelo WhatsApp, pegava endereço e as meninas começavam a ficar constrangidas. Entre as mensagens, ele mandava ‘nossa, eu queria ser mais novo’, ‘que delícia essa foto’. Muitas meninas não denunciaram por medo”, destaca a professora.
A professora reuniu os relatos e os prints das conversas. Entre as imagens, fotos enviadas às alunas e mensagens como “é o homem que quer te encontrar, não o professor”. Após a exposição do caso, no entanto, alunas e professora sofreram retaliações e ela conta que até mesmo a sugestão de demissão foi proposta a ela pela instituição.
“Elas vieram voluntariamente falar comigo e só eu sabia quem eram as vítimas. São crimes sérios, ele é compulsivo, é doentio e está solto. Até agora ele não foi demitido, só foi afastado, eles têm todo o material para demissão por justa causa e dizem que vão aguardar”, fala.
Ela conta, ainda, que as vítimas não tiveram apoio ou acolhimento da faculdade, que possui núcleos de combate à violência contra a mulher e de psicologia. No entanto, segundo a professora, elas não receberam atendimento em nenhuma das clínicas. Além disso, a professora tem sofrido pressão por ter feito a ponte e levado os casos ao Ministério Público.
“Em nenhum momento fizeram um acolhimento decente, uma investigação. Todos os prints que eu passei para o delegado, passei para o gestor, ele poderia abrir uma sindicância, mas não fez porque não quer. Eles preferem que eu saia, mas não vou pedir demissão. Eles têm medo da repercussão e querem demitir quem fez a denúncia”, finaliza.
O professor e ex-PM recebeu um prêmio, em 2018, justamente pelo combate ao assédio na Polícia Militar. Reconhecido nacionalmente, ele foi premiado por criar ações de combate ao assédio sexual e moral contra policiais mulheres na corporação.
Lotin é mestre em Gestão de Políticas Públicas, membro do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e ex-presidente da Aprasc (Associação de Praças de Santa Catarina) e da Anaspra (Associação Nacional de Praças).
À época do cumprimento do mandado, o celular foi apreendido e ele foi proibido de fazer contato e se aproximar das vítimas ou das testemunhas do caso.
“Tem print, tem foto, tem vídeo e elas estão apavoradas”
Os assédios não ficaram somente entre as vítimas, a professora e a polícia. Há testemunhas que acompanharam o caso e estão preocupadas com as ameaças feitas às mulheres após a exposição do caso.
Um aluno, que não será identificado, é uma das testemunhas e viu os prints anexados à investigação da polícia depois que as próprias vítimas o procuraram para desabafar.
“Começou ainda em 2020 e elas começaram a mostrar pra gente. Mostraram todos esses prints que foram para a polícia. É difícil de acreditar. Ele mandava mensagens, ia no trabalho delas. Algumas meninas mais jovens, quando terminavam algum namoro, ele chamava, dizia que sabia que elas estavam sofrendo, se oferecia para ser um ‘ombro amigo’ e ir na casa delas”, diz.
“Elas reclamavam muito, aí ele começou a mandar fotos do órgão genital, vídeos se masturbando dizendo que estava pensando nelas. Além de professor, ele é agente público, é um policial, alguém que já defendeu ações contra assédio sexual e está praticando essa atitude”, complementa.
Ele conta que aconselhou as vítimas a procurarem a professora e critica a instituição de ensino que, apesar dos relatos, da investigação e de toda a exposição não deu suporte às vítimas e não tomou nenhuma atitude mais dura com relação ao professor.
“Teve assédio, é crime, está sendo apurado pela Justiça, mas dentro da instituição está uma bagunça, eles não se manifestam. Nós cobramos uma providência, mas não demitiram ele por quê?”, questiona.
Além disso, as vítimas continuam sendo intimidadas e ameaçadas, denuncia o aluno. Ele conta que o professor chegou a ir até o portão da casa de uma das mulheres, que mora em outra cidade, mesmo com a medida protetiva dada pela Justiça.
“Ele gosta de perseguir, de ameaçar, está usando outras pessoas para ameaçar as vítimas. Elas estão apavoradas e nem conseguem sair de casa, alguma coisa precisa ser feita antes que aconteça uma tragédia”, finaliza.
A manifestação da defesa e o silêncio da faculdade
A defesa do professor afirma que não houve crime e sim relações íntimas consensuais com alunas adultas. Em nota, os advogados Danúbia Medeiros Bächtold e Guilherme Luciano Vieira ressaltaram que são relatos “inverídicos ou deturpados”.
“Casado, teve um caso extraconjugal com uma aluna adulta da faculdade em que leciona, tal pessoa tinha plena consciência que era casado, mas mesmo assim era extremamente ciumenta e não tolerava o fim inevitável do relacionamento. Também trocou, mutuamente, consensualmente, algumas mensagens íntimas com outras alunas adultas. Pode o caso ter repercussões sociais, mas os atos não são criminosos.
É inocente da acusação de assédio ou qualquer acusação, não ofereceu vantagem acadêmica, não ameaçou, não intimidou e não coagiu. O que se tem contra ele é apenas narrativa incriminatória. Existe uma legião de alunas e alunos, professoras e professores e funcionárias e funcionários da faculdade que não compactuam com a acusação, que sabem da conduta do professor e sabem da conduta das denunciantes perante o professor.
Ante o sigilo imposto do caso, não se pode dar maiores explicações. A defesa, ainda em inquérito, pretende que todas as provas sejam produzidas, especialmente, documental com prints, vídeos e fotos, testemunhal e depoimento pessoal do Investigado, esta última surpreendentemente ainda não foi produzida. Firme que ao final o inquérito será arquivado em razão da inocência do professor”.
A reportagem entrou em contato com a faculdade solicitando um posicionamento a respeito do caso, do afastamento e das denúncias de retaliação. No entanto, até o fechamento desta reportagem, às 14h30 de segunda-feira (12), não obteve retorno.
*Amanda é um nome fictício utilizado para não identificar a vítima.