Por Otávio Timm e Vitor Souza
Você já ouviu falar da Caverna do Azambuja? A construção que antigamente era um forno de carvão hoje é utilizada como abrigo por um homem em situação de rua. Quem passa pelo local, que fica ao lado do Santuário de Azambuja, costuma parar por ali para verificar como é a moradia e como está Lessie Susi, a cachorra que pertence a um homem que se identifica como Fernando, morador do local.
O animal, na ausência do dono, atua como vigilante do espaço, latindo para qualquer um que se aproxima. Dócil, costuma aceitar carinho de estranhos.
O terreno no qual a caverna está localizada pertence ao complexo do Azambuja. Fernando alega que nunca foi pedido que ele deixasse o local. “Nunca ouvi nem um sim e nem um não. O terreno é deles e eu respeito isso. Procuro não incomodar ninguém, porém, se quiserem que eu saia, eu sairei. Jamais ocuparia um espaço que não me quisessem”, conta.
A permanência dele no local, porém, pode estar com os dias contados. Isso porque a prefeitura pretende retirá-lo da caverna, que será derrubada.
Fernando diz que está vivendo um momento de conflito com o Centro POP de Brusque, espaço para acolhimento de pessoas em situação de rua. Segundo ele, funcionários do local foram visitá-lo mais de uma vez e teriam dito que ele seria retirado do local se não saísse.
“Ela veio aqui me dizer que eu estava vivendo em estado insalubre, sendo que não estou. Tenho meu cantinho ajeitado e nunca peguei nem alergia aqui. Quando eu cheguei, eu limpei tudo e fui me adaptando”,afirma.
O que diz a prefeitura
Funcionárias que trabalham no Centro POP e que conhecem de perto o caso afirmam que possuem uma autorização da igreja para intervir no local.
“Realizamos atendimentos com o Fernando como: visitas, abordagens e escutas em local que resguarde o sigilo no Centro POP. Também foram realizadas ofertas diversas como: banho, alimentação, encaminhamento para saúde, condução em consulta médica, exames, etc. Porém, não podemos ser coniventes com a precariedade e o risco que ele se expõe no local. Sobre forçá-lo a sair de lá, nunca o abordamos desta maneira, não temos esse tipo de poder”, comentam.
Relação com a igreja
O morador se diz católico e guarda, no pé da cama, uma imagem de Jesus Cristo. Como a caverna fica praticamente ao lado do Santuário de Azambuja, Fernando diz ainda que possui ótima relação com a igreja e com as pessoas que trabalham lá.
No momento desta entrevista, ele não tinha conhecimento da autorização de fechamento do local emitida pela igreja.
Questionado sobre o tema, o padre José Henrique Gazaniga, pároco da paróquia do Azambuja, afirma que o documento que autoriza o fechamento do local foi assinado por ele. Além disso, afirma que não possui conhecimento de um contato próximo da igreja com qualquer pessoa que morasse ali.
“O que eu sei é que quem teve contato com os “moradores” do local foi a Assistência Social. Ouvimos algumas reclamações de moradores sobre algumas atitudes deles no local”, disse o padre.
O jornal O Município entrou em contato com o secretário de Obras de Brusque, Ricardo de Souza, que confirmou que o espaço não só será fechado, mas também derrubado.
“Vamos derrubar tudo que está ali. Porém, ainda não fizemos pois existem pessoas morando ali dentro. Vamos aguardar a Assistência Social realizar a retirada das pessoas para não haver nenhum perigo”, afirmou.
Estilo de vida
O nome verdadeiro de Fernando é Nildo Euclides da Costa. Nascido no Paraná, Fernando é natural de Guaíra e já possui cerca de 10 anos de vivência no município. Entre idas e vindas, está há cerca de cinco anos nas ruas de Brusque.
Conhecido no bairro Azambuja, ele diz que costumava fazer “bicos” para se manter, até que começou a não aguentar mais serviços pesados. Foi atingido por uma bala perdida enquanto morava no Paraná. Na ocasião, pensou ter sido atingido por um estilingue, porém, quando se viu sangrando, percebeu que havia levado um tiro no peito.
“Estava rolando uma perseguição policial perto de onde eu estava quando fui atingido. Alguns policiais perceberam meu ferimento e me levaram até o hospital. Lá fui curado inicialmente, porém, a bala nunca foi retirada. Até hoje sofro com isso no meu peito”, diz.
Por causa dos desafios de conviver com uma bala alojada no corpo, Fernando diz que, embora não tenha laudo para comprovar, possui depressão e que “despencou” na vida.
“Se fosse por mim eu não viveria assim, porém, não consigo aceitar qualquer trabalho e já tenho 50 anos. Preciso de ajuda sim, mas também estou longe de viver indignamente. Estou me virando bem aqui onde estou e os moradores me ajudam muito”.
Sobre a “mudança” de nome, o paranaense revela que em uma noite, diz ter ouvido a música “Fernando”, cantada pela cantora paraguaia Perla. Desde aquela noite, revelou que gostaria de ser chamado pelo mesmo nome da música, e assim seguiu a vida.
Lessie Susi é o nome do vira-lata caramelo que acompanha Fernando por onde ele vai. Além de ser muito ativa, a cachorra está sempre com o pote de ração e água cheios. No primeiro dia em que tentou cuidar de Lessie, Fernando comenta que a cachorra chegou a comer três marmitas inteiras de tanta fome que estava. Para ele, ela é insubstituível.
“Eu não vivo sem ela. Se alguém a me tirasse, estaria tirando a minha vida também. Ela tá sempre comigo e possui cama própria. Fome ela nunca passa. Quando posso, compro da melhor ração para ela, se não consigo, dou minha marmita para ela se for preciso”, afirma.
Passado e família
Quando saiu do município de Guaíra, Fernando diz que viveu alguns anos em Brusque até decidir voltar para a cidade paranaense.
“Tive que voltar pois minha mãe quebrou um fêmur e fui cuidar dela. Fiquei por volta de dois anos lá e depois voltei para Brusque novamente”, relembra.
Fernando também admite ter família em Brusque. Alega ter uma irmã que mora em Guabiruba, mas que não mantém contato. Ele também diz ter um filho que mora com a ex-mulher. Para ele, o relacionamento acabou não dando certo e a melhor opção foi sair da casa onde morava.
“Se tem algo que eu faço e entendo que me distanciou um pouco de algumas coisas é o álcool. Às vezes me parece que só ele acalma minhas dores físicas e mentais. Tem dias que nem consigo me mexer de dores pelo corpo, admito que acabo recorrendo ao álcool, que sei que no fundo não faz bem”, revela.
A reportagem do jornal O Município não conseguiu ter contato com Fernando após o descobrimento da autorização de fechamento do local e por causa disso, ainda não é conhecida a opinião do paranaense ou do seu paradeiro no futuro.
(O Município)