708 mulheres foram mortas por serem mulheres, de janeiro a junho de 2023; em SP, MG e no DF, casos superam total de anos anteriores
Os números de feminicídios no Brasil crescem em 2023. São pelo menos 1,1 mil mulheres assassinadas até setembro, por serem do sexo feminino – o chamado crime de gênero. Crimes como o da cantora gospel Sara Mariano, vítima de feminicídio na Bahia na última semana, são parte de uma estatística em crescimento contínuo nos últimos anos.
São quatro feminicídios por dia, em média, no Brasil nos últimos três anos. Um problema social cada vez mais presente dia a dia brasileito e ainda carente de soluções efetivas. Dados atualizados das polícias em alguns estados, cruzou com os levantamentos nacionais oficiais, ouviu especialistas, familiares de vítimas e o governo federal sobre o problema.
A reportagem mostra que 2023 caminha para bater 2022, o pior da série histórica – ou, no mínimo, se equiparar. Nos seis primeiros meses do ano, dados mostram esse crescimento. De janeiro a junho, o Monitor dos Feminicídios no Brasil contou 708 mulheres mortas, vítimas desse tipo de crime.
O Monitor do Feminicídio no Brasil foi criado no Laboratório de Estudos do Feminicídio (LESFEM), da Universidade Estadual de Londrina (PR), e não contabiliza dados de anos anteriores.
Em igual período de 2022 – ano do recorde desde a criação da Lei do Feminicídio, em 2015 – foram 699 crimes do tipo. Um ano antes, 2021, foram 677. Os números são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública – considerado o mais importante monitor das criminalidade no Brasil.
1.098 feminicídios até setembro de 2023, segundo o Monitor do Feminicídio no Brasil
O método usado pelo novo Monitor do Feminicídio no Brasil, criado por pesquisadores em Londrina (PR), diminui a margem de subnotificação, decorrente do não registro policial do crime como um feminicídio, segundo explica a socióloga Silvana Mariano, coordenadora do LESFEM.
“Temos críticas em relação às classificações que são feitas pela polícia. Infelizmente, quando pegamos os dados da Justiça, aumenta a quantidade de feminicídio. Significa que existem muitos casos que a polícia não faz o indiciamento por feminicídio, mas depois, o Ministério Público faz. Pelos próprios dados da Segurança Pública, existem homicídios de mulheres cuja autoria é de companheiro e ex-companheiro, detectam a autoria, e não foi classificado como feminicídio. Só para mostrar o tamanho do abismo que temos, do hiato que se tem nesse tipo de dado”, Silvana Mariano, socióloga e coordenadora do Leboratório de Estudos do Feminicídio da UEL.
“Existe muita subnotificação e está entre as motivações do projeto. Porque, por exemplo, nos dados da segurança pública no Brasil, os feminicídios são aproximadamente um terço dos casos de homicídios de mulheres. Nós não acreditamos nesse tipo de dado. Achamos que é muito mais”, diz Silvana.
O QUE É FEMINICÍDIO
Por lei, feminicídio é o assassinato de mulher em caso de violência doméstica ou motivada pela discriminação da condição do sexo feminino. O feminicídio passou a fazer parte da legislação penal brasileira em 2015. Na pena do crime de assassinato, o feminicídio pesa como uma forma qualificada do crime, gerando o agravante, que aumenta a pena.
A lei 13.104/2015 estipula três hipóteses para que o homicídio seja qualificado como feminicídio:
- quando a morte é decorrente de violência doméstica e familiar em razão da condição de sexo feminino;
- em razão de menosprezo à condição feminina;
- em razão de discriminação à condição feminina
Na Bahia, o caso da cantora Sara Mariano, que tinha 38 anos, engroussou essa estatística. No dia 24 de outubro, ela foi dada como desaparecida pela família e o marido, Ederlan Mariano, chegou a pedir ajuda nas redes sociais para encontrá-la. Três dias depois, o corpo foi encontrado pela polícia, em uma estrada, carbonizado. Ela deixou uma filha de 11 anos. O marido foi preso e o caso passou a ser tratado como feminicídio.
Na Bahia, 68 feminicídios foram registrados este ano, quase a mesma marca de 2022 em igual período, quando foram 72 caso. Fora aqueles que escaparam da contagem, devido ao registro policial. Como o caso de Raquel da Silva Almeida, que tinha 34 anos. A vítima foi encontrada morta com golpes de faca em sua casa, no domingo (24.out). O filho de 11 anos também foi ferido, mas sobreviveu. O principal suspeito é o marido, Diego Andrade, mas o caso não foi registrado pela Polícia Civil como feminicídio, no boletim de ocorrência.
Estados em alta
Os números de feminicídios nos estados que puxam as estatísticas para cima, devido ao número de habitantes. Os dados das polícias, em 2023, também confirmam a tendência de alta. Mesmo antes do final do ano, São Paulo e Minas Gerais já superam 2022 – na análise por períodos. Na Bahia e no Rio de Janeiro, os registros estão nos mesmos patamares do ano passado – quando foi registrado o recorde.
São Paulo tem os maiores números de feminicídios, devido à sua população, que é a maior do país. Foram 142 feminicídios até agosto deste ano. Número 16% superior ao registrado em igual período de 2022, ano do recorde. Supera também todos os 140 feminicídios registrados em todo ano de 2021.
Em Minas Gerais, os casos de feminicídio em 2023 repetem os altos índices de 2022. De janeiro a julho, os dados da Secretaria de Segurança Pública mostram que foram 96 crimes do tipo até aqui, contra 93, no ano passado. Números que superaram o total registrado em todo 2020, quando 84 mulheres foram vítimas de feminicídios, nas cidades mineiras.
No Rio, 72 feminicídios foram registrados de janeiro a agosto. Em igual período do ano passado, foram 74. Números que se equiparam ou superam os totais registrados nos anos anteriores, considerando os 12 meses. Em 2020 foram 78 crimes do tipo. Em 2018, foram 71.
No Distrito Federal, onde mais uma vítima de feminicídio morreu nesta semana, o total de casos deste ano é quase o dobro do total de 2022. Foram 29 casos neste ano, contra 17.